sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Jan Akkerman – Auditório Ibirapuera, São Paulo – 23/11/2007

Texto: Rodrigo Werneck
Fotos: Walter Rodrigues Gomes e Rodrigo Wer
neck

Para os fãs brasileiros do grupo progressivo holandês Focus, indubitavelmente um dos ícones do estilo, uma lacuna estava aberta há anos. Apesar das recentes visitas do grupo ao país (em 2002, 2003 e 2005), liderado pelo carismático e rotundo flautista e organista Thijs van Leer, uma nova vinda do guitarrista e co-fundador Jan Akkerman era há muito aguardada. A primeira havia ocorrido em 1989, como parte do projeto “Night of the Guitars”, e havia também trazido Leslie West (Mountain), Andy Powell e Ted Turner (Wishbone Ash). Tal lacuna pôde finalmente ser preenchida este ano com 4 apresentações em solo tupiniquim, e em grande estilo.

O grupo que acompanhou Akkerman especificamente nesses shows, denominado Brasil Holanda Jazz Connection, foi formado pelo tecladista (também holandês) Mike del Ferro e pelos brasileiros Ney Conceição (baixo) e Márcio Bahia (bateria). Mike tem em seu currículo uma extensa carreira internacional, tendo se destacado por uma ousada fusão de ópera e jazz. tocou com músicos do primeiro time como Toots Thielemans, Jack DeJohnette, o brasileiro radicado nos EUA Oscar Castro Neves, e também Thijs van Leer. O magistral baterista Márcio Bahia, sem sombra de dúvidas um dos melhores do mundo em sua função, já foi integrante da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, assim como do grupo de Hermeto Pascoal, entre outros projetos com monstros da música instrumental brasileira, como Itiberê Zwarg e Hamilton de Holanda. Sem ficar para trás, Ney Conceição tem uma carreira bastante eclética, tendo tocado com músicos dos mais diversos estilos, de Carlos Malta a Moraes Moreira, de Sivuca a João Bosco, e muitos outros. É um dos mais aclamados baixistas da atual cena brasileira musical, e altamente requisitado. Coincidentemente, tanto Ney quanto Márcio tocam eventualmente com outro guitarrista holandês, Jan Dumée, que – coincidência ou não – substituiu Akkerman no Focus entre 2001 e 2005. Dumée e Ney integram hoje em dia o grupo On The Rocks, que inclui o vocalista britânico John Lawton (ex-Uriah Heep) em suas fileiras e que no momento está mixando seu CD de estréia, a ser lançado em 2008. Mas essa já é uma estória para outra ocasião...

O projeto Plataforma Brasil Holanda Jazz foi quem promoveu a turnê, que passou pela Bolívia, Argentina, e pelas cidades de Cuiabá e Salvador, para finalmente ser fechada com chave de ouro em duas datas no impecável Auditório Ibirapuera, em São Paulo. E, enfim, poucos minutos após as 9 horas da noite do dia 23 de novembro, uma sexta-feira, as luzes se apagaram e Jan Akkerman adentrou o palco do auditório munido de seu violão. Num começo intimista, encarou a platéia sedenta por música com um longo improviso que só foi subitamente interrompido por um acaso do destino: uma das cordas de seu violão arrebentou. Nesse momento, os demais músicos já haviam se juntado a ele no palco, e seguraram a peteca enquanto Akkerman rapidamente largou o instrumento de lado e muniu-se de sua indefectível guitarra Les Paul preta, para deleite do público presente.

O show prosseguiu num clima descontraído, recheado de improvisos e solos de todos os integrantes da banda. Na realidade, embora Akkerman fosse a atração principal, o show era anunciado como sendo dos quatro. Seguiram-se alguns números da carreira solo de Jan, como “Streetwalker” (do disco "Jan Akkerman", de 1977) e “Heavy Treasure” (do disco "Can't Stand Noise", de 1983), assim como um sensacional dueto de violão (já com a corda trocada, é claro) e bateria em “Central Station” (do disco "Pleasure Point", de 1981). Esta música, segundo Akkerman dedicada ao vaivém de pessoas numa estação de trem, é normalmente tocada apenas no violão, mas o arranjo inusitado surpreendeu e agradou, com uma brilhante participação de Márcio, um músico de muitos recursos e que sabe como poucos alternar entre força e sutileza, numa esplêndida performance dinâmica.

Falando em arranjo inusitado, o mesmo ocorreu no primeiro tema do Focus incluído no repertório, “Love Remembered”, nesse show apresentada com o arranjo feito pelo maestro alemão Claus Ogerman para o disco (de Akkerman) “Aranjuez”, de 1978 (e portanto bastante distinta da versão original presente no disco “Focus III”, de 1973). Após o seu término, era chegada a hora de Jan deixar o palco para seus companheiros brilharem. O trio composto por Del Ferro, Conceição e Bahia levou com maestria um cover de “Bilhete”, música de Ivan Lins, mas aqui incluída em versão totalmente irreconhecível. Foi o momento de Mike brilhar, tanto no piano quanto no teclado digital do qual extraía sonoridades perfeitas de piano elétrico, órgão, e outros timbres quando necessário.

O retorno de Akkerman ao palco foi marcado por “Piétons” (também do disco "Can't Stand Noise"), porém numa brincadeira com o público, o grupo começou a tocar “Hocus Pocus”, o maior sucesso do Focus, para então parar e reiniciar com a música programada. Entre os improvisos no seu meio, Akkerman chegou a tocar alguns acordes que remeteram à música-tema dos Flintstones, numa brincadeira recorrente em seus shows (não raro inclui temas de 007, entre outros). Ao final, mais uma vez emendaram numa versão instrumental de “Hocus Pocus”, incluindo a emulação do célebre canto “yodel” de Thijs van Leer por intermédio de um dedilhado na guitarra de Akkerman, para delírio dos presentes. O show já se aproximava dos 90 minutos de duração, e seu fim estava próximo.

Após a esperada despedida e o posterior retorno para o bis, o último tema tocado foi “Floatin'” (também do disco "Jan Akkerman"), em longa e inspirada versão. Embora o repertório tenha se restringido a momentos específicos da carreira de Akkerman (deixando de fora muito material a princípio imprescindível), o clima presente era de clara satisfação. O guitarrista que em 1973 foi eleito pela revista inglesa Melody Maker o melhor do mundo, desbancando francos favoritos como Jimmy Page, Eric Clapton e Jeff Beck, mostrava ao público brasileiro que seu estilo idiossincrático permanece indelével.

A chegada ao final do espetáculo deixou um gosto de “quero mais”, que muito provavelmente poderá ser saciado no ano que vem com um prometido retorno. O público presente, de qualquer forma, saiu extasiado e totalmente satisfeito. A longa espera valeu.

Para ver um trecho do show, e algumas declarações de Jan Akkerman e Mike del Ferro gravadas no próprio local, clique aqui: http://www.youtube.com/watch?v=3eMFV1lweiU .

Links:

Jan Akkerman: www.janakkerman.com
Mike del Ferro: www.mikedelferro.com
Márcio Bahia: www.myspace.com/marciobahia
Ney Conceição: www.neyconceicao.com
Plataforma Brasil Holanda: www.plataformabrasilholanda.blogspot.com


Agradecimentos especiais a Tami Toledo Matuoka e Coraly Pedroso, da Plataforma Brasil Holanda ( www.plataformabrasilholanda.com.br ).

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Daevid Allen – Teatro do SESI – São Paulo, SP – 20/11/2007

Texto: Rodrigo Werneck e Marcelo Spindola Bacha
Fotos: Magali Machado

Para quem não conhece a figura, o australiano Daevid Allen foi fundador de dois dos mais importantes e influentes grupos de rock psicodélico/progressivo europeu: o Soft Machine (1966, na Inglaterra) e o Gong (1970, na França). E essa verdadeira lenda viva veio no final do ano ao Brasil para uma série de concertos sob o epíteto de “Daevid Allen & Gong Global Family”, reunindo apresentações das bandas Fabulous, University of Errors e Invisibops, todas tendo como elemento comum a participação de Allen. Essa foi a segunda visita dele ao Brasil, pois já havia vindo na época da conferência sobre o meio-ambiente Rio-92 (ou ECO-92).

O show aqui resenhado ocorreu no SESI e foi o primeiro da turnê brasileira, que incluiu ainda apresentações no Studio SP e no Festival Contato, da Universidade de São Carlos. Com ingressos a módicos R$ 3, o público compareceu em peso e proporcionou um bom ambiente ao espetáculo.

Pontualmente, às 20h, Daevid Allen adentrou o palco, vestindo um macacão branco todo “pichado” com frases, símbolos e referências poéticas e espirituosas à própria mitologia do “Planeta Gong”, por ele arquitetada. Cumprimentando o público em português, ele inicia sozinho o show, de maneira intimista e climática, e tocando guitarra no estilo “glissando”, sua marca registrada. Para quem não sabe, é uma técnica que consiste em deslizar uma varinha metálica (no caso, uma alavanca de guitarra) pelas cordas, gerando um efeito hipnótico de grande eficácia para um som psicodélico. A segunda música foi basicamente uma performance de Allen na guitarra e vocal, sendo que na verdade esse início de espetáculo já constituía a apresentação do duo Fabulous, embora seu parceiro Josh Pollock só fosse se juntar a ele a partir do terceiro número. Nesse momento, Pollock (vestindo o que mais parecia ser um confortável pijama) assumiu o piano e Allen passou a se restringir aos vocais nos 2 números seguintes, que incluíram vários improvisos e temas criados em cima de poesias.

Com isso, chegou a hora de trazer ao palco o baixista Michael Clare e o baterista brasileiro Fred Barley (que muitos devem conhecer da banda CompaCta Triô, entre outras), completando assim a formação do University of Errors presente nessa turnê (Barley não faz normalmente parte do grupo, sendo apenas um músico convidado para os shows no Brasil). Com Pollock se revezando entre a guitarra, o piano e até o Theremin, o repertório do show foi baseado no disco “Jet-Propelled Photographs”, do Soft Machine (o único onde ele participa como membro efetivo da banda). Mesmo assim, músicas de outros discos do mesmo grupo foram apresentadas, como "Hope for Happiness", "Why Am I So Short", "Save Yourself", "You Don’t Remember" (todas do "Soft Machine Vol. 1", 1968), e "Stoned Innocent Frankenstein", do "Bananamoon" (álbum solo de 1971). Apesar do entrosamento ainda estar ocorrendo “on the fly”, as performances foram marcantes, pois todos são músicos bastante experientes, com estrada. Fred estava inspirado e seguro como sempre; Michael, contido, mas bastante sólido, e Josh revezava-se entre a guitarra (tocada em um volume altíssimo, na posição de canhoto, mas com as cordas como numa guitarra de destro) e o piano, com um estilo um tanto quanto “alucinado”, para se dizer o mínimo. No centro das atenções, é claro, estava Daevid.

Com o encerramento do show do University of Errors, teve fim a primeira parte do concerto, seguindo-se um breve intervalo. A segunda parte iniciou-se ainda com as cortinas fechadas, que ao serem abertas mostraram o grupo Invisibops (Invisible Opera Company of Brazil), anunciado como sendo uma “banda multicultural representando o espírito do Gong”. Contando, logicamente, com Allen, mais Pollock e Barley, e ainda Fabio Golfetti na guitarra (e glissando), Gabriel Costa no baixo (ambos do Violeta de Outono), e ainda Marcelo Ringel (da The Central Scrutinizer Band, tradicional banda cover do Frank Zappa) nos saxofones e flauta, o repertório se baseou obviamente no legado do Gong, com ênfase na era “Camembert Electrique” (1971). Foi quando a platéia reconheceu mais imediatamente as músicas e proporcionou uma resposta mais intensa, deixando Daevid cada vez mais animado, com uma expressão que misturava o cansaço físico (a noite estava bem quente) à excitação. Entre as músicas, "You Can't Kill Me", "Fohat Digs Holes In Space" e "Tropical Fish/Selene". Da célebre trilogia temática “Radio Gnome”, que inclui os discos “Flying Teapot” (1973), “Angel’s Egg” (1973) e “You” (1974), tocaram "Radio Gnome Invisible", "Flute Salad", "Oily Way", "Outer Temple", "Inner Temple” e "Master Builder". As partes vocais originalmente feitas pela Gilli Smyth foram emuladas por Pollock, que utilizou um megafone para compensar a estranheza do uso de uma voz masculina, com efeito apenas parcial. O bis apresentou "Dynamite/I Am Your Animal", também do “Camembert Electrique”, fechando a apresentação de forma energética, com o público totalmente satisfeito e realizado.

Para os privilegiados que puderam comparecer a algum dos shows, foram momentos históricos. Uma pena que a turnê tenha se restringido apenas à Grande São Paulo, mas há de se entender que as dificuldades logísticas e financeiras tornam uma gama mais extensa de apresentações algo um tanto quanto tortuoso para os organizadores – sem falar no grande desgaste para Daevid, que, prestes a completar os 70 anos, já não é mais o mesmo jovem beatnik que circulava com desenvoltura pela Europa nos gloriosos anos 60 e 70... De qualquer maneira, se o corpo já não mais agüenta o pique, a cabeça permanece lúcida (até onde é possível para alguém como Allen). Finalizamos com um detalhe curioso: o baixista Gabriel Costa nos confidenciou que, durante uma sessão de fotos promocionais da turnê, Allen teria sugerido que todos tirassem a roupa por completo. Ninguém topou, mas a situação inusitada mostrou que o “velhinho” continua irretocável...

Para ver alguns vídeos de fragmentos da turnê brasileira (e fotos): http://www.invisivel.com.br/daevid/

sábado, 10 de novembro de 2007

São Paulo ArtRock Festival – 10/11/2007 – Blackmore Rock Bar, São Paulo

Texto: Rodrigo Werneck
Fotos: Ricardo Zupa

Seguindo os passos do já longevo Rio ArtRock Festival, foi realizado recentemente em São Paulo o quase homônimo São Paulo ArtRock Festival, que em sua primeira edição apresentou as bandas Tarkus (SP), Apocalypse (RS) e Violeta de Outono (SP). Todos os grupos estão no momento divulgando seus novos trabalhos, pois o Violeta lançou há pouco seu disco “Volume 7”, e tanto o Apocalypse quanto o Tarkus estão preparando novos CDs, a serem denominados respectivamente “The Bridge of Light” e “A Chave”.

Apesar de, hoje em dia, o rock progressivo apresentar um público um tanto quanto reduzido, comparando-se ao seu auge nos anos 70, mesmo assim cerca de 150 fiéis seguidores estiveram presentes ao evento, que incluiu cobertura da TV Rock, responsável por entrevistas nos bastidores com os integrantes das bandas participantes, além de ter feito registros das performances.

A abertura do festival ficou por conta do Tarkus, que entrou no palco por volta das 23:30h. Na formação renovada, estão Cesar Achon (guitarra, vocal), Mickey Nicolas (teclados), Fernando Faustino (bateria) e Luizão Teixeira (baixo). Em relação ao sexteto que recentemente lançou o DVD “Ao Vivo em Niterói”, ocorreram algumas defecções: o guitarrista Aru Jr., o tecladista Allex Bessa e a vocalista Maristella Bessa. O novo membro, Cesar Achon, já fez parte do Made In Brazil e do Karisma, entre outros.

Num show de cerca de 1 hora de duração, o grupo deu o seu recado com eficiência, incluindo temas que fazem parte do DVD e novas composições que integrarãos que far como novas composie do DVD lanaristella Bessa. o CD "A Chave". Das antigas, fizeram parte "O Portal", "O Retorno da Lenda", "Dumont" (todas constantes do DVD), assim como "Exit From Calcutta" (do ótimo disco de estréia "A Gaze Between The Past And The Future"). Do disco a ser lançado, estiveram presentes a faixa-título ("A Chave"), mais "Alguns Anos", "Relógio", "Mágoa" e "Na TV". No YouTube podem ser conferidos alguns momentos do show:

http://www.youtube.com/watch?v=ulhEYdmVBfY ("Mágoa")
http://www.youtube.com/watch?v=8SXA730bFPc ("Exit From Calcutta")
http://www.youtube.com/watch?v=Jl56sClcpks ("Alguns Anos")
http://www.youtube.com/watch?v=GtL6n1i_81w ("A Chave")

A segunda banda a se apresentar foi o Violeta de Outono, que por sinal esse ano também tocou no festival carioca acima mencionado. Trazendo apenas composições do último CD, o Violeta também se apresentou de formação renovada. Além dos membros originais Fabio Golfetti (guitarra, vocal) e Claudio Souza (bateria), fazem parte do grupo agora o baixista Gabriel Costa e o tecladista Fernando Cardoso. Às influências psicodélicas mais antigas (Pink Floyd e afins), somam-se hoje as do progressivo de Canterbury, como Camel e Caravan.

Num set enxuto, o grupo executou todas as faixas de "Volume 7" na mesma ordem do disco: "Além do Sol", "Caravana", "Broken Legs", "Eyes Like Butterflies", "Em Cada Instante", "Pequenos Seres Errantes", "Ponto de Transição" e "Fronteira". Com uma maior riqueza nos arranjos proporcionada pelos teclados de Fernando, essa formação atual do Violeta tem causado uma ótima impressão aos fãs de rock progressivo tradicional.

O evento já caminhava madrugada adentro quando a terceira atração subiu ao palco: os gaúchos do Apocalypse, pela primeira vez tocando em São Paulo. Passando por diversos percalços para cumprir com o assumido, entre vôos cancelados com o encerramento das operações da BRA, novas passagens compradas pela Varig, tendo que bancar com todos os custos de deslocamento, hospedagem e alimentação, a dedicação em mostrar pela primeira vez o seu material ao público paulista foi tão tocante quanto inquestionável. Na formação estabilizada em quinteto, estão Gustavo Demarchi (vocal, violão, flauta), Eloy Fritsch (teclados), Ruy Fritsch (guitarra), Chico Fasoli (bateria) e Magoo Wise (baixo).

O setlist incluiu as antigas "Carmina Burana", "Magic", "Refuge" e "Cut", assim como composições que estarão no CD ora sendo produzido, como "Next Revelation", "To Madeleine", "Escape", "Ocean Soul", a balada "Not Like You", "Last Paradise" e "Follow at the Bridge", ficando o bis por conta da já clássica e infalível "Blue Earth", um libelo ambientalista. Acabaram sendo responsáveis pelo show mais longo da noite, até pelo fato de serem a única banda de fora da cidade e por terem investido bastante tempo e dinheiro para se fazer presentes. Quem persistiu não se arrependeu, tendo presenciado mais uma apresentação irretocável do grupo.

O evento foi produzido pela Musical Business, de São Paulo, e demonstrou que é possível a realização de bons eventos quando grupos se unem com um objetivo comum. O Apocalypse ainda seguiria para Votorantim (SP), para se apresentar no dia seguinte no festival II Cultura Rock junto aos grupos Banda do Sol, Lumina, Alpha III & Veronika, organizado pela revista RockHard-Valhalla e pela prefeitura local. Mais detalhes aqui: http://www.culturavotorantim.com.br/default.asp?id=11&ACT=5&content=610&mnu=11 .

Ao que tudo indica, existe um renovado e saudável mercado para o rock progressivo no Brasil, já que novos talentos e eventos têm aparecido em diversas regiões. Que assim seja...


Links:

São Paulo ArtRock Festival: http://www.saopauloartrock.com.br
Apocalypse
: http://www.apocalypseband.com
Tarkus
: http://www.tarkus.mus.br
Violeta de Outono
: http://www.violetadeoutono.com.br

domingo, 7 de outubro de 2007

Rio ArtRock Festival – 07/10/2007 – Cais do Oriente, Rio de Janeiro

Texto e fotos: Rodrigo Werneck


Já em sua décima segunda (!!) edição, o Rio ArtRock Festival mais uma vez ocorreu no Rio de Janeiro. Evento mais festejado entre os amantes brasileiros do rock progressivo, desde o ano passado vem sendo realizado de forma mais “underground”, por assim dizer, com uma estrutura mais enxuta e bandas de menor renome. O lendário grupo inglês Hawkwind chegou a ser anunciado para a edição desse ano, porém acabou sendo sacado em virtude do não fechamento de alguns apoios fundamentais a tal viabilização. Mesmo tendo-se em vista que o festival já trouxe ao Brasil, desde 1996, bandas do naipe de Focus, Banco del Mutuo Soccorso, Le Orme, Nektar, Caravan e Wishbone Ash, há de se elogiar a tenacidade e a persistência com que a produtora Rock Symphony mantém acesa a sua chama, mesmo na impossibilidade de organizá-lo nos mesmos moldes de outrora.

Se já não se aplica mais a uma casa de espetáculos do porte de um Canecão ou de um Citibank Hall, ao menos a escolha desse ano recaiu sobre o simpático Cais do Oriente, misto de restaurante e pequena casa de shows, localizado no Centro do Rio. Verdade seja dita, narizes torcidos à parte, o local foi bastante apropriado e de fácil acesso para pessoas vindo das mais diversas regiões do Rio, e adjacências.

O elenco do festival incluiu dessa vez apenas uma banda brasileira, a paulista Violeta de Outono, assim como duas atrações internacionais: os chilenos do Evolución e os suecos do Trettioåriga Kriget. Um bom balanço de estilos, indo do jazz-rock ao psicodélico, do progressivo clássico ao hard prog, o que é muito bom quando há vários artistas se apresentando, como forma de não tornar a experiência como um todo por demais cansativa. Isso foi facilitado também pelo fato da casa apresentar uma configuração com mesas e cadeiras para todos os presentes. Em termos de estrutura de som e iluminação, a mesma era modesta porém condizente com o que se poderia esperar para o porte do evento.

O primeiro grupo a se apresentar foi o Evolución. Músicos experientes compõem as suas fileiras: o líder e tecladista Pedro Muñoz Recabarren, o guitarrista Fernando González Bravo, o baixista Fernando Islas Zuñiga, e o baterista Jorge Cruz Morales. Banda formada em 1982 no Chile a partir das cinzas do grupo Espectros, o Evolución se destacou nos anos 80 pelo seu fusion com elementos progressivos, tendo encerrado as atividades em 1987. Em 2002, porém, retornaram às atividades, lançando novos discos e fazendo shows. Banda de extrema capacidade técnica e entrosamento ímpar, pecaram apenas pela sonoridade às vezes um pouco calcada no que de pior tinham os anos 80, em especial nos timbres de teclados um tanto quanto irritantes. O repertório foi totalmente instrumental. O maior destaque, apesar do tecladista buscar para si os refletores (tanto em seus simpáticos discursos entre as músicas, quanto durante as próprias), foi o guitarrista Fernando González, uma espécie de Allan Holdsworth latino. A semelhança era tanto física quanto no tocar. Seu estilo limpo e técnico, “classudo”, de digitação perfeita, deixou os presentes boquiabertos.

O Violeta de Outono foi a segunda atração da noite, apresentando sua nova formação. Além do guitarrista e vocalista Fabio Golfetti e do baterista Claudio Souza, fazem parte agora do grupo o baixista Gabriel Costa e o tecladista Fernando “Macabro” Cardoso. No disco mais recente da banda, o já aclamado “Volume 7”, ficam patentes as contribuições inseridas pela entrada da dupla, em especial pela adição do muito bem-vindo órgão Hammond aos arranjos e execuções. Se ao vivo não foi possível ter um autêntico Hammond presente, Fernando compensou isso tirando excelentes timbres de sua tecladeira digital. Golfetti desfilou todo o seu repertório de guitarrices e efeitos, incluindo o célebre e exótico “glissando”, no qual toca a guitarra deslizando por sua escala uma pequena vareta metálica, à la Daevid Allen (do Gong). Mais psicodélico, impossível. A sonoridade da banda cambou um bocado para os lados do progressivo, lembrando em especial Caravan e Camel. A renovação certamente fez muito bem à banda, nessa que foi provavelmente sua melhor apresentação em solo carioca até hoje. O repertório incluiu temas clássicos dos anos 80, assim como material mais novo, e o nível (alto) foi mantido durante todo o show.

E após duas performances com ecos canterburianos (vide referências a Gong, Camel, Caravan e Allan Holdsworth), chegou a vez da atração principal da noite. Oriundos dos clássicos anos 70, indubitavelmente a época dourada do rock progressivo, os suecos do Trettioåriga Kriget subiram enfim ao palco do Rio ArtRock Festival. Em sua primeira visita ao Brasil, vieram com uma formação consistente, incluindo os membros fundadores Stefan Fredin (baixo, guitarra, vocais) e Dag Lundquist (bateria), mais o guitarrista solo Christer Åkerberg (no grupo desde 1972), o vocalista e guitarrista base Robert Zima (o único austríaco da trupe, na banda desde 1971), e o tecladista e saxofonista Mats Lindberg (integrante desde 1977).

Com esse time, apresentaram um longo set que incluiu temas mais recentes (que dominaram a primeira metade do show), assim como os aguardados clássicos setentistas. Como já se podia imaginar, a qualidade e conseqüentemente os aplausos aumentaram consideravelmente na segunda metade do show. Longos temas no melhor estilo hard progressivo, com inspiradas passagens instrumentais incluindo solos de guitarra e teclado, primordialmente. Vocais inspirados, sendo que Zima conseguiu reproduzir muito bem os agudos contidos nas versões originais de estúdio. Os músicos volta e meia revezavam-se entre os instrumentos, com Fredin eventualmente tocando guitarra, Zima mudando para o teclado, e Lindberg passando para o sax. Numa noite inspirada, o grupo não deixou a peteca cair por um instante sequer, e a longa apresentação deixou saudades. Por sorte, a performance de dois dias depois (ocorrida em Macaé, também no estado do Rio), acabaria sendo gravada para futuro lançamento em CD e DVD pela gravadora Rock Symphony.

Resumindo, tratou-se de uma versão mais reduzida do festival, mas que talvez seja a fórmula ideal para que os organizadores consigam prosseguir realizando-o por mais anos. Um público de cerca de 200 pessoas lotou o local, e se não houve medalhões se apresentando, ao menos o nível artístico do evento foi mantido bem a contento. Vamos ver o que 2008 nos reserva... Para quem acredita em superstições, será que o número 13 trará sorte ao festival?

Links:

Rio ArtRock Festival: http://www.rioartrock.com.br
Trettioåriga Kriget: http://www.trettioarigakriget.com
Violeta de Outono: http://www.violetadeoutono.com.br
Evolución
: http://www.evolucionjazzrock.cl

sábado, 21 de abril de 2007

Jethro Tull – Citibank Hall, Rio de Janeiro – 21/04/2007

Texto: Rodrigo Werneck
Fotos: Pedro Paulo Moreira e Rodrigo Werneck

Contumaz visitante de nossas aprazíveis metrópoles, a clássica banda progressiva britânica Jethro Tull acaba de iniciar sua mais nova turnê brasileira. A primeira cidade contemplada com o novo espetáculo eletro-acústico do grupo foi o Rio de Janeiro, e a casa de shows escolhida foi o Citibank Hall (ex-Claro Hall, ex-ATL Hall, ex-Metropolitan). Com uma configuração com cadeiras à frente e a pista “pra galera” atrás, o que se espera é uma frieza maior do público e da banda. Pelo menos não foram colocadas mesas dessa vez, talvez por exigência da banda. Em outra oportunidade, o líder, flautista, violonista e vocalista Ian Anderson chegou a reclamar que mesas eram para apresentações de mágicos, ou Ray Conniff, Richard Clayderman e afins, e não para shows de rock. Não se sabe se foi atendido dessa vez, mas de qualquer forma o público não hesitou em se levantar nos momentos mais quentes do espetáculo.

Acompanhando Anderson estavam seu fiel escudeiro Martin Barre (guitarra), na banda desde o segundo disco, “Stand Up” (1969), assim como o baterista Doane Perry, já há muitos anos se apresentando com o grupo. Completando, vieram John O’Hara (teclados, acordeon), David Goodier (baixo) e a violinista convidada Ann Marie Calhoun, que tocou em quase todas as músicas, e fez os fãs recordarem a época na qual o violinista (e tecladista) Eddie Jobson estava na lineup.

Com um repertório dividido entre clássicos dos anos 70 e músicas mais novas, e entre peças mais acústicas e outras mais pesadas, foi uma apresentação bastante eclética. O som estava ótimo, com todos os instrumentos bastante audíveis. O público, algo entre 3.500 e 4.000 pessoas, era dividido entre o pessoal da velha guarda, que acompanha a banda desde seu início, e novos fãs (muitos de fato bem jovens), que injetaram um novo gás na popularidade do Tull no Brasil, uma renovação mais do que saudável.

O princípio do show se deu com apenas Ian Anderson (na gaita e voz) e Martin Barre (na guitarra), levando “Some Day The Sun Won’t Shine For You”, do primeiro disco do JT, “This Was” (1968). O público vibrou com a aparição dos 2 lendários músicos, que valorizaram sua presença através desse dueto inicial. O clima começou a esquentar com a execução de “Living In The Past”, já com toda a banda reunida no palco e num arranjo similar ao do DVD “Living With The Past”. Conforme Anderson anunciou, uma das poucas músicas na história feitas em 5/4 a entrar nas paradas de sucessos. Esta foi seguida por uma ótima versão para “Pastime In Good Company”, peça tradicional composta pelo Rei Henrique VIII, e que já foi gravada por artistas como Blackmore’s Night. Foi a primeira entrada de Ann Marie e seu violino, e logo de cara foi fácil perceber que sua participação nos shows da banda é muito mais que de mera convidada; seu papel é de grande relevância nos novos arranjos, e seu estilo é carismático e de grande efeito (sonoro e visual). Por outro lado, os demais integrantes estiveram um pouco contidos na minha opinião (à exceção de Anderson, é claro), numa performance eficiente mas um tanto quanto burocrática.

O show prosseguiu com “Jack-In-The-Green”, do ótimo disco “Songs From The Wood” (1977), e a nova “The Donkey And The Drum”, muito boa por sinal, e que estará no próximo CD da banda. Segundo Anderson anunciou durante o show, eles já têm umas 6 músicas prontas para tal lançamento, e completarão o álbum nos próximos meses. Um dos pontos altos de qualquer concerto do Tull se seguiu: “Thick As A Brick”, para delírio da galera presente. Não a versão original de 40 minutos, é claro, mas uma mais condensada com pouco mais de 10 minutos. Seguiram-se outros clássicos: “Bourée”, adaptação da peça de Johann Sebastian Bach e presença obrigatória nos shows, e “Sweet Dream”, do disco “Living In The Past” (1972). É relevante salientar que em “Bourée” o baixista Goodier e o tecladista O’Hara têm seu momento de destaque, com direito a pequenos solos.

Em seguida, foi a oportunidade para Ann Marie Calhoun e seu violino mostrarem serviço. Duas composições de sua autoria se seguiram: “Bluegrass In The Backwoods” (como o nome implica, um autêntico “bluegrass” conduzido de forma frenética pelo violino), e “Runty” (segundo Anderson, uma homenagem dela a sua gata, homônima).

Seguem-se a nova e inédita “Birnam Wood To Dunsinan” e “Beside Myself” (do disco “Roots To Branches”, de 1995), mantendo o pique. Um momento de brilho para o guitarrista Martin Barre aparece na música seguinte, a instrumental “Steal”, de seu primeiro disco solo, “A Trick Of Memory”. Anderson deixa o palco e Barre assume o posto de frontman, tendo a banda a seu reboque.

Hora de mais clássicos, e num arranjo totalmente novo levam “Aqualung”, numa longa versão, bastante diferente da original, com a flauta de Anderson, o violino de Ann Marie e a guitarra de Barre se revezando nos solos. O arranjo novo ficou bom, mas não se compara à versão original e às versões ao vivo apresentada nas outras passagens do grupo pelo Brasil, que literalmente traziam a casa abaixo.

Uma inclusão inusitada foi “America”, obra composta por Leonard Bernstein, sendo que a performance do Jethro Tull foi na realidade uma adaptação feita a partir da versão do The Nice (para quem não sabe, a banda do tecladista Keith Emerson nos anos 60, antes do Emerson Lake & Palmer surgir). Antes de sua execução, nos tradicionais discursos de Ian Anderson explicando o cenário no qual determinada música foi composta, contando pequenos detalhes ou piadas no melhor estilo britânico, ele comentou que se tratava de uma homenagem genérica à música dos EUA, salientando que apesar do mundo hoje ter uma visão anti-americana muito forte, há ainda muita coisa boa por lá, tirando “aquele burro na Casa Branca” e outras figuras do mesmo naipe. Isso tudo para comentar que 2 dos membros atuais do grupo são norte-americanos: o baterista Doane Perry e a violinista Ann Marie, sua atual “protegida”. Durante a apresentação de “America”, vários trechos de outras obras foram inseridos, numa verdadeira ode à obra musical norte-americana contemporânea (mais precisamente, a do século passado).

O ponto alto da noite veio a seguir na forma de “My God”, grande clássico lançado originalmente no disco “Aqualung” (1971). O Jethro Tull em sua melhor forma, juntando peso e sutileza na medida certa, harmonias e melodias ricas e inspiradas, e uma performance vocal apurada de Anderson (em especial para quem presenciou sua completa falta de voz na última vinda ao Brasil com a banda). “Budapest” (de “Crest Of A Knave”, 1987) manteve o nível alto, numa performance de mais de 11 minutos, todos muito bem aproveitados pela banda e pelo público, a essa altura extasiado mas querendo mais.

Hora da rápida saída estratégica e posterior retorno para o bis, que ficou a cargo da empolgante “Locomotive Breath”, também do disco “Aqualung”, que com sua guitarra “cavalgante” contagiou a todos os presentes. Anderson parecia não sofrer qualquer revés da idade, pulando, cantando e tocando sua flauta de forma visceral. Barre, mais contido, atacou sem piedade seu instrumento, concedendo um alto peso ao número de encerramento. Após quase 2 horas de apresentação, a banda se retirou do palco sabedora de ter cumprido com seu papel.

Setlist:

1. Some Day The Sun Won’t Shine For You
2.
Living In The Past
3. Pastime In Good Company
4. Jack-In-The-Green
5. The Donkey And The Drum
6. Thick As A Brick
7. Bourée
8. Sweet Dream
9. Bluegrass In The Backwoods
10. Runty
11. Birnam Wood To Dunsinan
12. Beside Myself
13.
Steal
14. Aqualung
15. America
16. My God
17. Budapest

Bis:
18. Locomotive Breath